kitschnet - mini-pratos ao balcão: principalmente


2.10.06

principalmente
dias de preparatório, oitavo ano, em visita de estudo. conferências. foi seleccionada para ir. dois dias uma noite. não era longe mas dormia-se. feliz com a eleição e sem vaidade mas contente por ver o empenho reconhecido, que o discernimento nesta idade já permite considerações destas. o primeiro dia acaba com a animação a trepar para a animalação e sem vontade de assistir vai deitar-se a pensar nas circunstâncias. tem 14 anos e acorda com pasta de dentes espalhada por todo o cabelo. alguém achou piada. sem lhes dar a esmola tomou banho, vestiu-se e quis sair dali mas não pode. um dia inteiro e o autocarro às cinco. não colaborou e não quis nem soube discutir o assunto. fez o seu trabalho não falou com ninguém porque não precisou. ninguém falou mas os outros olharam de lado. também ninguém perguntou nada. se o nervo toca a pele, está-se à altura daquilo que lhe acontece e punho cerrado que daqui não sai a indignação que revolve o estômago e amachuca o peito. no fim do dia, com todo o embora a salvar e saber bem, a professora de quem mais gostava e a mesma que a escolhera senta-se ao seu lado e quer saber a causa da abstinência. sem haver resposta a dar, pode ouvir-se a calma voz baixa com que lhe relata a acusação de infantilidade e má criação e a sentença de que provavelmente não deveria ter vindo. mas indo a procissão neste ponto já nada pode mudar nada, nem se tem vontade e acaba assim.
conta-se assim ao longe porque foi há muito tempo. e não foi totalemente inútil. e hoje lembrei-me. não conto para expor a feiura desta mulher com quem ainda hoje me cruzo e a quem não falo, nem tão pouco a alarvidade juvenil. na verdade este é um trauma que não serve para muito, nem quando contado. vivia bem sem ele mas foi um sapo que cuspi depois de tomado o sabor.
é porque as pessoas são complexadas. e eu percebo. mas é pena e faz estrago às vezes.
e porque detesto o estoicismo à la estúpida que me torna decorativa e me mostra cretina mas que nem sempre consigo evitar.
conto assim com vergonha. se calhar conto para ultrapassar o luto que sinto de cada vez que falo seriamente sobre mim.
mas principalmente porque há 6,800,000,000 pessoas a pisar o planeta. e eu levo isso em conta.


posted by pimpinelle