kitschnet - mini-pratos ao balcão: Diário de bairro


12.2.13

Diário de bairro
Enquanto me pesava as batatas, o Sr. Gomes, a honestidade em pessoa, pôs-se a falar de uma cliente que teve. Com alguma pena dele, os filhos levaram-na para um lar. Alguma pena porque a senhora não comprava uma unidade de cada coisa, queria sempre tudo. Quando lá ia comprar massa, dizia logo, para todos ouvirem, não fosse a concorrência adiantar-se-lhe, «venho comprar massa e é toda para mim». E então arrebanhava os dez pacotes de penne ou farfalle que houvesse. O mesmo com a fruta; só levava se fosse à caixa. Era tal a paranóia da senhora, diz o Sr. Gomes. Fico sempre comovida (e um bocadinho invejosa dessa ignorância) quando as pessoas não sabem o nome das doenças mentais. O que a senhora tinha era um distúrbio obsessivo-compulsivo, diagnostico eu, depois de ele me contar o resto da história, que tenho de ouvir porque ele tem as minhas batatas reféns e porque sou boa pessoa. A senhora, ao que parece, não tinha espaço em casa para receber ninguém, nem os filhos, tão cheia estava de tralha. De tralha não, corrige-me o Sr. Gomes, que ela tinha coisas boas, serviços de loiça completos, dos bons (e agora a pontinha de inveja é do Sr. Gomes). Pares de calças de licra eram quarenta, só para eu ter uma ideia. Todos de licra, admiro-me eu para dentro. Quarenta eram também os quilos de sacos de supermercado por estrear que os filhos da senhora deram ao Sr. Gomes. São do Minipreço. Também devia querê-los todos, quando lá ia. Vou ficando com alguns desses sacos; é neles que o Sr. Gomes me põe as batatas depois de as pesar. E, para eu não pensar coisas, sempre que me dá um saco destes em vez de um liso, ressalva que são novinhos, que foi uma senhora que lhos deu, que tinha para lá um monte deles. O que se há-de fazer? É aproveitar, diz ele, encolhendo os ombros, esquecido de que já uma vez me contou a história. E eu aproveito-os, sim senhor (Gomes), está um no cesto da reciclagem neste preciso momento.

posted by pimpinelle