kitschnet - mini-pratos ao balcão: Composição


17.5.13

Composição
Pescava sem razão aparente, talvez para fugir à futilidade sempre presente ao longo de toda a minha vida. Naquele dia de sol, convidara Rupert, um dos muitos conhecimentos insignificantes da minha vida social. Ansiava por algo verdadeiramente real, sem toda aquela fantasia que girava em torno de mim. Pensava em Betânia, sempre ela.
No batel, recentemente adquirido a um velho pescador, Rupert parecia deliciado com a pequena viagem ao longo da costa atlântica. Perguntei-lhe:
— Rupert, estás a gostar?
Olhou surpreendido para mim; parecia não esperar a pergunta. Respondeu com um seco suspiro:
— Oh, sim.
Durante o resto da tarde, não falámos. O meu pensamento vagueava – imaginação a mais, sempre se queixara a minha mãe. Mas, naquela altura, cogitava, parecendo um louco aos olhos de qualquer pessoa. Mas estava só; com Rupert, mas completamente só. Naquela altura, apercebi-me de que só Betânia interessava. Rupert pensava em política e economia e eu inventava paraísos ardentes, cheios de verde e azul, bolas de mercúrio e ciclos de amor.
Nesse dia decidi viajar para longe.
Nesse dia não pesquei NADA.



Redacção adolescente de Sra. D. Pimpinela num teste de Português, ocasionada pelo seguinte enunciado:
«Hoje está um belo dia de Verão. Tu tens um barco e convidaste um amigo para ir pescar contigo. Redige um texto, com cerca de 15 a 20 linhas, onde possas contar a conversa havida entre os dois, ou até mesmo os teus pensamentos, enquanto ambos aguardavam que o peixe picasse o anzol.» O texto que serviu de base ao teste foi O Velho e o Mar, daí a inspiração piscatória (e a piscadela de olho batelar).

Pedaço de prosa patética hoje, na altura valeu boa nota e elogio da professora. Sra. D. Pimpinela ainda acha graça à última frase, dramática. De resto, os grandes temas – a solidão do indivíduo, o tédio, a impossibilidade da comunicação – estão lá.
NADA mau, para quem ainda escrevia (noutras partes do exame) imprefeito, esprançado e aprecebe.

posted by pimpinelle