kitschnet - mini-pratos ao balcão


6.11.13

Encostado à ombreira, o homem vê a delgada jarra de cristal em cima da cómoda e o gato a brincar com a flor de plástico que dela espreita. Vê que o gato se fartou da falsa flor e que agora se interessa mais pelo equilíbrio da jarra. Com uma patada suave, a jarra balança, com uma patada mais forte, balança mais. A jarra está na ponta da cómoda e o homem sabe que ela irá cair dentro de instantes porque o gato continua interessado nela. O homem quer ver até onde consegue esticar a sua imobilidade antes de evitar a queda da jarra. O gato gosta do baloiçar periclitante da jarra porque a flor se agita, como que animada, e, talvez, por se sentir influente. Ao coibir-se de intervir, o homem sente-se igualmente poderoso, dono da sua vontade. O gato dá agora uma patada certeira na borda da jarra, que faz uma vénia em direcção à comoda. O homem imagina rapidamente os  cenários que daí podem advir e ordena-os da maior à menor probabilidade: a jarra pode cair de imediato ao chão, pode ressaltar uma ou mais vezes na cómoda e só depois cair ao chão, pode ficar na cómoda e a flor cair ao chão ou jarra e flor podem jazer simplesmente na cómoda. Depois de feita a sua jogada, o gato, como o homem, aguarda com interesse a decisão do destino. Um instante depois, torna-se claro que a jarra irá cair levando a flor consigo. Nesta altura, o homem sabe que se esticar o braço e avançar o corpo conseguirá amparar a queda da jarra. Porém, atrasa o mais possível a sua acção. Ao observar a cena com minúcia, o tempo dilata-se e o homem quer ser capaz de distinguir, no meio das infinitas fracções de segundo, qual a que marca o limiar, o momento que separa o ainda ir a tempo do já não. Quanto mais atenta, mais lenta se torna toda a cena. Tudo imóvel, incluindo o gato, menos a jarra, que tomba inexpressivamente segundo as leis da física. Invisível, só a mente do homem se agita. Assim que o constata, o homem distrai-se da cena e perde definitivamente a oportunidade de travar a queda. Talvez a mesma queda que aconteceria se ele não estivesse ali. O homem aproxima-se da jarra fragmentada e, enquanto apanha os cacos, sorri.

posted by pimpinelle